O fato do momento é a exclusão sumária do X do Brasil , por ordem do Ministro Alexandre de Moraes , do STF . Ok, não foi exatamente uma exclusão, mas uma suspensão sem prazo de retorno. Na prática, está mais para uma exclusão do que uma suspensão.
Escrevi já poucos dias aqui um texto em que me referia a Moraes como um elemento onipresente na vida social do país. E o último episódio desse embate apenas confirma esse protagonismo midiático do ministro Moraes.
Para além da questão de imagem e recorrência, a decisão em questão é para lá de questionável e certamente polêmica. A simples suspensão das atividades do X é algo legalmente possível. A questão é como isso se deu. Moraes cumpre funções de delegado, investigador, promotor de justiça e também juiz e, mais ainda, faz tudo de ofício. Nenhuma decisão é tomada de forma colegiada , mas sempre — de um ponto de vista técnico — monocrática e liminarmente.
Para quem não sabe, o magistrado (juiz) age apenas quando provocado a agir. Em situações muito específicas age por conta própria, ou, como se diz no jargão jurídico, de ofício. Se agir por conta própria é exceção nas atividades de um magistrado, o que dizer quando essa exceção se transforma em regra?
Indo adiante, a decisão contra o X é claramente desproporcional e num ponto específico beira o abuso puro e simples. Na parte final da decisão, consta que quem, pessoa física ou jurídica, tentar acessar o X , poderá responder com a mesma multa imposta à empresa X, ou seja, R$ 50.000,00. Assim, alguém que sequer faz parte da ação ou do procedimento pode sofrer uma penalização claramente descabida.
Apesar de ser uma outra decisão, contudo relacionada diretamente ao X, o mesmo Ministro Moraes determinou bloqueio de recursos da empresa Starlink para pagar multas inadimplidas pelo X. Isso foi feito porque um dos sócios da Starlink é também sócio do X, o empresário Elon Musk . Duas empresas, com atuação totalmente diversas, são tratadas como grupo econômico simplesmente por compartilharem Musk como um de seus sócios. Vale tudo para receber os valores não pagos pelo X? Parece que sim.
Outros ministros do STF
Há quem defenda que Moraes age de modo enérgico, porém seu pares servem ou serviriam de freio ou contrapeso a esse afã idiossincrático e por vezes autoritário do ministro. A realidade, no entanto, contraria essa expectativa. A Starlink impetrou um mandado de segurança para desbloquear as suas contas e, por decisão do Ministro Cristiano Zanin , o pedido foi negado. Na mesma linha, mas para um outro caso — que também envolve diretamente o Ministro Alexandre de Moraes –, a defesa de Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Moraes, pediu que este último saia da presidência do inquérito que investiga o vazamento das mensagens (Vaza Toga) por estar envolvido de modo direto no caso, mas, o presidente do STF, Ministro Luis Roberto Barroso , negou o pedido.
Se analisarmos os países desenvolvidos, descobrimos um ponto de contato: em nenhum desses países, suas respectivas Cortes Supremas são personagens sociais centrais, protagônicos, e muito menos ainda seus ministros julgadores integrantes do tribunal. Desse modo, nenhum magistrado, mais ainda de Suprema Corte, pode ser tratado como um “popstar”, uma figura pública no sentido midiático do termo.
Isso se prende ao fato de que os grandes temas de interesse da sociedade, as grandes discussões, em tais países, se estabelecem no parlamento, a casa da democracia por excelência, vocação e natureza. Afinal, deputados e senadores são escolhidos pelo povo, Ministros de Suprema Corte não. E o sistema funciona assim mesmo: o Poder Judiciário não tem o compromisso de atender a vontade popular, mas aplicar as leis e, no caso do STF, proteger e prestigiar a Constituição Federal .
Futuro
O que virá pela frente não há como prever e só isso, apenas essa insegurança informativa sobre a atuação futura de uma instituição fundamental como é o caso do STF, já é em si algo preocupante. Se uma Suprema Corte não deve ser protagônica e invasiva no tocante às relações sociais, tampouco pode ser imprevisível quando se analisa suas ações, presentes e futuras.
Por fim, há quem comemore esse estado de coisas e o faz principalmente por aspectos subjetivos, como “eu não gosto mesmo de quem está sofrendo as consequências disso tudo”. Contudo, o Estado de Direito e todos os elementos que o integram, como o devido processo legal, direito a ampla defesa e contraditório, duplo grau de jurisdição, vedação de uso de provas obtidas de forma ilícita, e outros mais, foi criado justamente para substituir o modelo estatal anterior, em que a sociedade, ao cabo e ao fim, se submetia às vontades, caprichos e decisões de um rei absolutista.
O governante e, como é o caso, um magistrado, por mais bem intencionado que seja ou possa vir a ser, não pode agir em substituição à manifestação da vontade popular que não se expressa em Tribunal nenhum, mas nas casas legislativas de todo o país, Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Aos Tribunais toca julgar os casos postos sob seus cuidados, aplicando as leis aprovadas pelo Legislativo. Essa estrutura é simples, é até singela, mas é também fundamental para se manter garantias importantíssimas que evitem o arbítrio e os abusos, ainda, como já dito, que supostamente carregados de boas intenções.
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