O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregou na última terça-feira (18) o novo arcabouço fiscal ao Congresso Nacional. Além de abrir mais espaço para investimentos, o governo espera que a nova âncora possibilite a redução da taxa básica de juros, a Selic . Ao sair do Parlamento, o ministro afirmou “não ver dificuldade” para o Banco Centra (BC) reduzir a taxa.
Desde o início do mandato, o governo elegeu o BC como seu principal inimigo , por manter a Selic em 13,75% ao ano nas duas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) de 2023.
A Selic é a taxa básica de juros da economia e o principal instrumento de política monetária utilizado pelo Banco Central para controlar a inflação. Ela serve de referência para as taxas de juros cobradas no país, como em empréstimos, financiamentos e algumas aplicações financeiras.
Na última reunião, no final de março, o Copom admitiu que a âncora fiscal auxiliará no controle da inflação, mas deixou no ar a possibilidade de o arcabouço ser um facilitador da redução dos juros.
“O Comitê avalia que o compromisso com a execução do pacote fiscal demonstrado pelo Ministério da Fazenda, e já identificado nas estatísticas fiscais e na reoneração dos combustíveis, atenua os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação no curto prazo”, diz o documento.
Para Valter Palmiei Jr, economista doutor em Desenvolvimento Econômico pela UNICAMP, o arcabouço fiscal veio para agradar o mercado, com o propósito de redução dos juros, mas, sem a redução prévia da Selic, será difícil cumprir as metas propostas.
“Na verdade, sem a queda dos juros, é difícil cumprir com as metas fiscais, porque o governo também paga juros em cima da dívida pública. Isso compromete qualquer política de investimento, seja social ou em infraestrutura”, diz.
O “novo arcabouço fiscal” propõe, através meta de superávit e controle de gastos, zerar o déficit público primário da União no próximo ano e ter superávit primário de 1% do PIB em 2026. O superávit primário é o resultado positivo de todas as receitas e despesas do governo, excluindo gastos com pagamento de juros.
Como anunciou Haddad, os gastos da União se limitarão a 70% do crescimento da receita. Com isso, o Orçamento volta a ter aumento real, ou seja, acima da inflação. No entanto, caso a arrecadação não seja suficiente para atingir a meta de superávit, esse percentual cai para 50% no ano seguinte e 30% no posterior.
Por exemplo, se a projeção for de alta de 5% acima da inflação na arrecadação no ano seguinte, as despesas poderão crescer até 3,5%. Agora, se esses 5% não forem suficientes para atingir o superávit primário, as despesas subirão apenas 2,5% ou 1,5%.
Maior juro real do mundo
Na última quarta, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que a inflação deve convergir para 3,5% em junho e depois voltará a subir no segundo semestre. Na semana passada, ele também afirmou seguir o “timing técnico , não o político”, para as decisões de política monetária.
Para o economista Pamieri Jr., a fala de Campos Neto demonstra “conservadorismo” do Banco Central.
“No mundo todo, os BCs não têm conseguido atingir as metas de inflação por conta de distúrbios econômicos mundiais após a pandemia. Mas nenhum Banco Central no mundo está sendo tão conservador. O objetivo do BC deve ser, sim, o controle da inflação, mas não a qualquer custo. O crescimento econômico, o pleno emprego, também são muito importante”, afirma.
“Por exemplo, a meta de inflação da Inglaterra é de 2%, mas em 12 meses, o índice está em 8,9%, isso não significa que eles vão elevar a taxa de juros lá”, completa.
O Brasil lidera o ranking mundial de juros reais – aqueles que descontam a inflação – em todo o mundo, e também é o com a maior queda percentual da inflação. Aqui, esse índice é de 7,38%, acima de México (5,53%), Chile (4,71%), Colômbia (3,04%) e Hong Kong (2,35%), que integram os cinco primeiros colocados.
O IPCA fechou março em alta de 0,71% e acumulado de 4,65% em 12 meses, o menor desde 2021.
O economista da Unicamp diz que, mesmo sem o arcabouço fiscal, a taxa de juros deveria ser muito menor.
“O custo disso [da Selic em 13,75% ao ano], está sendo o de crescimento baixo, desaceleração da economia. Isso mostra um direcionamento claro do Banco Central, de não ser uma decisão técnica, e sim buscando atender os interesses do mercado financeiro”.
No Boletim Focus desta segunda (24), produzido por mais de cem economistas do mercado financeiro, a expectativa para a Selic ao fim do ano manteve-se em 12,5%, mesmo após o anúncio das regras.