E enquanto a polícia científica se encarregava de atualizar e envelhecer o retrato do mafioso, seu império bilionário era desmontado e apreendido pedaço por pedaço, fragilizando também sua cadeia de proteção e financiamento.
É assim que foi demolido o mito de um “padrino” que administrava um poder infinito, mas vivia como um fantasma, ainda que essa invisibilidade não o tenha impedido de ter dois filhos. Sobre uma delas, sabe-se tudo: o nome (Lorenza), a mãe, as escolhas que a levaram a separar a própria vida da sombra pesada de um pai que, ao menos oficialmente, ela só conheceria na cadeia.
A filha passou a infância e a adolescência na casa da avó, depois mudou de residência com a mãe. Do outro filho, no entanto, o pouco que se sabe é fruto de grampos da polícia: ele se chama Francesco e nasceu entre 2004 e 2005, na província de Trapani, base do clã de Messina Denaro.
Sempre atento para manter seu paradeiro desconhecido, um dos mafiosos mais procurados do mundo deixou de si apenas a imagem de um implacável playboy com Ray Ban, camisas de grife e estilo elegante. Essa figura criada no imaginário italiano também carrega uma série de lendas: grande conquistador de corações femininos, apaixonado por Porsche e Rolex de ouro, maníaco por videogames e leitor de quadrinhos, sobretudo “Diabolik”, nome pelo qual seus colaboradores mais próximos o chamavam.
Messina Denaro personificava a dupla face de um chefe capaz de unir a dimensão tradicional e familiar da máfia com sua versão mais moderna. O “padrino” sempre se moveu entre a ferocidade criminal e o pragmatismo político. Por isso, era considerado o herdeiro de Bernardo Provenzano (1933-2016), que havia sucedido o poderoso Salvatore “Totò” Riina (1930-2017), mas também do pai Don Ciccio, outro chefe tradicional que morreu como foragido em 1998.
Na época da morte do velho patriarca, o jovem Messina Denaro já estava foragido havia cinco anos, antes mesmo de ter sido envolvido nas investigações sobre os massacres promovidos pela máfia no início daquela década.
Para cercá-lo de terra arrasada, os investigadores pressionaram a rede de apoiadores de Messina Denaro, e nem os familiares foram poupados. A irmã Patrizia, por exemplo, acabou presa e acusada de comandar uma rede de extorsão.
O “fantasma” do chefe da Cosa Nostra era perseguido por uma montanha de mandados de captura e condenações à prisão perpétua por associação mafiosa, homicídios, atentados e posse e transporte de explosivos.
Suas mãos passaram por alguns dos piores crimes do país nos últimos 30 anos, a começar pelos atentados contra os juízes antimáfia Giovanni Falcone e Paolo Borsellino. O próprio Messina Denaro se vangloriava de ter “matado pessoas suficientes para encher um cemitério”.
Mas se a reputação de homem implacável é justificada, existiam dúvidas sobre sua real capacidade de reconstruir, após as prisões de Riina e Provenzano, a estrutura unitária da Cosa Nostra, afetada por seguidas detenções e por um processo de fragmentação.
Um “boss” que levou a máfia siciliana para o século 21, sem, no entanto, conseguir evitar o mesmo fim dos velhos chefões.