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Política Nacional

PL das Fake News: pesquisadores defendem órgão fiscalizador autônomo

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A falta de consenso sobre quem deverá fiscalizar as medidas previstas no Projeto de Lei 2.630/2020, que institui regras regulatórias para o funcionamento de plataformas digitais no Brasil, é considerada uma das razões que vem travando o avanço na tramitação. A votação na Câmara dos Deputados estava prevista para a última terça-feira (2), mas acabou retirada de pauta pelo presidente da casa, Arthur Lira. Ainda não há data definida para que seja apreciado pelo plenário.

O projeto, que se tornou conhecido com PL das Fake News, chegou a contar, em suas primeiras versões, com trecho prevendo a criação de autarquia especial destinada à fiscalização do cumprimento da lei. Diante de divergências, o trecho acabou sendo retirado pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que protocolou seu parecer na semana passada. Ele incluiu artigo estabelecendo que a fiscalização se dará nos termos de regulamentação própria. Se for aprovado nesses termos, a forma de fiscalização das medidas deverá ser definida após a aprovação do PL.

Em debate online realizado quarta-feira (3), pesquisadores de comunicação apontaram que essa é uma questão central. O encontro, que abriu espaço para análises sobre a regulação das plataformas digitais, foi organizado pela Rede Nacional de Combate à Desinformação e pela Associação Nacional de Programas de Pós-graduação em Comunicação (Compós). “Não há como escapar da discussão sobre o ente regulador”, disse Murilo Cesar Ramos, professor e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo ele, um caminho é contar com uma agência reguladora, a exemplo do que já ocorre em diversos setores. Ele cita a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Agência Nacional do Cinema (Ancine) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Cabe a elas instituir regulamentos, fiscalizar o cumprimento de normas e de leis e fazer autuação em caso de descumprimento. O PL das Fake News prevê que infrações podem gerar punições, com multas que vão de R$ 50 mil a R$ 1 milhão por hora.

“Se estamos pedindo regulação, temos que nos perguntar: quem vai regular? Precisamos de uma instância reguladora que seja autônoma”, defendeu. Embora veja problemas em algumas das agências citadas, ele destacou o exemplo da Anvisa: seu diretor-presidente tem mandato fixo e não pode ser demitido a qualquer momento. “A Anvisa se valeu de sua autonomia funcional e da qualidade de seu corpo técnico de Estado para enquadrar até o presidente da República durante a pandemia de covid-19”, afirmou.

Alguns parlamentares já defenderam que a fiscalização das medidas previstas no PL das Fake News fique a cargo da Anatel. Segundo Murilo Ramos, essa é uma alternativa. “Se o PL for aprovado, isso vai existir. Ou pode ser algo que já exista, por exemplo, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), a Anatel, ou uma junção das duas. Fato é que vai existir. Porque se não existir um ente regulador será o pior dos mundos. A regulação passa a ser exercida pelo Poder Executivo diretamente ou pelo Poder Judiciário. E isso é um risco”.

Murilo também manifesta receio com as propostas de um ente regulador que tenha internamente representação das plataformas digitais. “Como que você vai ter uma agência de Estado tendo as empresas que você regula dentro dela?”, questiona. Helena Martins, pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC), defende a criação de um órgão novo, com mecanismos que assegurem a participação social e impeçam sua captura pelo setor privado.

“A Anatel é a expressão da captura pelo setor. Todas as decisões da Anatel em momentos polêmicos são favoráveis às empresas de telecomunicações. Isso aconteceu, por exemplo, em discussões sobre regime público e privado, a neutralidade da rede, sobre radiodifusão comunitária. É possível transformar a Anatel em outra coisa? É possível. Mas colocar a Anatel como ela é hoje nesse lugar é entregar a regulação das plataformas para um setor que tem outros interesses. Vão prevalecer os interesses das empresas de telecomunicação em questões centrais. Seria um equívoco”.

Medidas previstas no PL

As medidas previstas no PL afetam provedores de redes sociais, sites de busca e ferramentas para envio de mensagens instantâneas. As regras não valem para plataformas que tenham média mensal inferior a 10 milhões de usuários. Também não atingem aquelas voltadas para comércio eletrônico, jogos e apostas online, reuniões fechadas em vídeo ou voz e para repositório científico ou educativo.

Em caso de aprovação, mudanças que estão previstas serão notadas na experiência do usuário. Eles deverão, por exemplo, ter condições de configurar como querem receber os conteúdos recomendados, os quais precisarão ser facilmente identificados. Além disso, a reprodução automática de sons ou vídeos só pode ocorrer mediante consentimento. As únicas exceções são músicas ou conteúdo de listas criadas pelo próprio usuário.

As empresas deverão ter representação no Brasil. São previstas também medidas que limitam a disseminação de mensagens em massa e o compartilhamento de dados pessoais de usuários. Ainda conforme o texto em discussão, as plataformas digitais deverão fornecer uma série de informações nos seus termos de uso, tais como os tipos de conteúdos proibidos, a faixa etária à qual se destinam, os meios para denúncia de possíveis violações, critérios usados na moderação das contas, parâmetros usados para recomendar ou direcionar conteúdos, descrição geral dos algoritmos utilizados e regras envolvendo a publicidade.

O projeto também amplia casos em que as plataformas são responsáveis pelos conteúdos postados pelos usuários. Até então, só podem ser punidas caso descumpram ordem judicial para remoção de alguma publicação. Se o PL for aprovado, elas se tornarão responsáveis solidárias pelos conteúdos cuja distribuição tenha sido impulsionada por meio de publicidade da plataforma. Além disso, em situações específicas nas quais forem identificados riscos iminentes de danos, precisarão adotar medidas previstas em um protocolo de segurança. Do contrário, poderão ser responsabilizadas pelos conteúdos que forem publicados.

Murilo Ramos considera que o termo PL das Fake News distorce o real conteúdo do projeto. “É um projeto que dispõe sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet”, diz. O PL, que tramita desde 2020, teve sua urgência aprovada no início da semana passada, o que permite que agora ele seja votado pelo plenário sem passar pelas comissões. A situação gerou uma ofensiva das plataformas, que chegaram a ser acusadas pelo governo e por entidades da sociedade civil de impulsionar suas próprias posições contrárias ao projeto e censurar conteúdos favoráveis.

Debate público

Segundo Helena Martins, essa tentativa de direcionar o debate público ocorre porque medidas previstas no PL afetam economicamente as plataformas. Ela cita as regras envolvendo transparência sobre os algoritmos, sobre os sistemas de recomendação e o poder de escolha do usuário de não ser bombardeado com conteúdos direcionados especificamente a ele. “É um modelo de negócio que não é defensável à luz do dia. É baseado em disputa de atenção, em captura de atenção, para converter os usuários em audiência para a publicidade. Não há nenhum compromisso com o interesse público”, diz ela.

A pesquisadora aponta que diversos estudos já mostraram como as plataformas têm proporcionado circulação de conteúdo extremista. Ela reconhece que um dos riscos de um novo marco regulatório é dar às plataformas o poder de decidir o que é ou não é crime. Havia uma preocupação de que ao responsabilizá-las pelo conteúdo dos seus usuários, elas teriam maior autonomia para censurá-los. Helena acredita que o texto do relator encontrou um caminho do meio. “Elas serão chamadas a atuar em alguns cenários considerados mais problemáticos como é o caso dos ataques violentos às escolas”, avalia.

De acordo com a pesquisadora, a discussão em torno da regulação das plataformas é complexa porque vários interesses privados impediram um debate democrático sobre a comunicação social no Brasil desde a década de 90, tentando associar regulação com censura. As expectativas em torno da tecnologia também afetaram o debate público.

“Muitos acreditavam que a tecnologia fosse resolver problemas que são eminentemente sociais. E isso fez com que a internet fosse vista como um espaço não regulado: porque é transnacional, porque impediria a inovação. Mas o fato é que não haver regulação pública e democrática também é uma forma de regulação, porque essas atribuições são assumidas pelo setor privado”. Ela diz ainda que muitas propostas no PL das Fake News foram inspiradas em medidas que estão sendo adotadas na Europa, mas que o debate também está atravessado pelo contexto geopolítico e pelas assimetrias globais, o que faz com que as plataformas se mostrem mais resistentes a aceitar mudanças em países em desenvolvimento.

Helena observa que as tradicionais empresas de radiodifusão do Brasil são responsáveis pela dificuldade de se falar em regulação da comunicação e de órgão regulador, já que sempre fizeram lobby para travar essas propostas, classificando-as como censura. Nesse sentido, a pesquisadora aponta a postura contraditória representada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), essas empresas apoiam o PL das Fake News. Elas podem ser beneficiadas economicamente pelo projeto, pois um dos artigos prevê que as plataformas devem remunerar veículos midiáticos que produzem conteúdos jornalísticos e que tem notícias e reportagens compartilhadas nas redes sociais.

Para a pesquisadora, seria melhor tratar dessa questão em outro momento, para que pudesse ser feita uma discussão ampliada, incluindo produtores de conteúdo e portais menores que também teriam direito à remuneração. Ainda assim, ela discorda de quem se opõe ao PL por causa desse artigo. “Transformar isso no ponto principal do projeto e falar que é um projeto da Globo e das empresas de radiodifusão é reduzir muito a análise. É um texto mediado, que tem vários interesses colocados. Mas, para mim, esse ponto está longe de ser o principal do projeto”.

Fonte: EBC Política Nacional

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Política Nacional

Lula demite Silvio Almeida após denúncias de assédio sexual

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu na noite desta sexta-feira (6) demitir o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, depois das denúncias de assédio sexual. 

“O presidente considera insustentável a manutenção do ministro no cargo considerando a natureza das acusações de assédio sexual”, informou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, em nota.

A Polícia Federal abriu investigação sobre o caso. A Comissão de Ética Pública da Presidência da República também abriu procedimento preliminar para esclarecer os fatos.

“O governo federal reitera seu compromisso com os Direitos Humanos e reafirma que nenhuma forma de violência contra as mulheres será tolerada”, completou a nota. 

Silvio Almeida estava à frente do ministério desde o início de janeiro de 2023. Advogado e professor universitário, ele se projetou como um dos mais importantes intelectuais brasileiros da atualidade ao publicar artigos e livros sobre direito, filosofia, economia política e, principalmente, relações raciais.

Seu livro Racismo Estrutural (2019) foi um dos dez mais vendidos em 2020 e muitos o consideram uma obra imprescindível para se compreender a forma como o racismo está instituído na estrutura social, política e econômica brasileira. Um dos fundadores do Instituto Luiz Gama, Almeida também foi relator, em 2021, da comissão de juristas que a Câmara dos Deputados criou para propor o aperfeiçoamento da legislação de combate ao racismo institucional.

Acusações

As denúncias contra o ministro Silvio Almeida foram tornadas públicas pelo portal de notícias Metrópoles na tarde desta quinta-feira (5) e posteriormente confirmadas pela organização Me Too. Sem revelar nomes ou outros detalhes, a entidade afirma que atendeu a mulheres que asseguram ter sido assediadas sexualmente por Almeida.

“Como ocorre frequentemente em casos de violência sexual envolvendo agressores em posições de poder, essas vítimas enfrentam dificuldades em obter apoio institucional para validação de suas denúncias. Diante disso, autorizaram a confirmação do caso para a imprensa”, explicou a Me Too, em nota.

Segundo o site Metrópoles, entre as supostas vítimas de Almeida estaria a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que ainda não se pronunciou publicamente sobre o assunto.

Horas após as denúncias virem a público, Almeida foi chamado a prestar esclarecimentos ao controlador-geral da União, Vinícius Carvalho, e ao advogado-geral da União, Jorge Messias. A Comissão de Ética da Presidência da República decidiu abrir procedimento para apurar as denúncias. A Secretaria de Comunicação Social (Secom) informou, em nota, que “o governo federal reconhece a gravidade das denúncias” e que o caso está sendo tratado com o rigor e a celeridade que situações que envolvem possíveis violências contra as mulheres exigem”. A Polícia Federal (PF) informou hoje que vai investigar as denúncias.

Em nota divulgada pela manhã, o Ministério das Mulheres classificou como “graves” as denúncias contra o ministro e manifestou solidariedade a todas as mulheres “que diariamente quebram silêncios e denunciam situações de assédio e violência”. A pasta ainda reafirmou que nenhuma violência contra a mulher deve ser tolerada e destacou que toda denúncia desta natureza precisa ser investigada, “dando devido crédito à palavra das vítimas”.

Pouco depois, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, publicou em sua conta pessoal no Instagram uma foto sua de mãos dadas com Anielle Franco. “Minha solidariedade e apoio a você, minha amiga e colega de Esplanada, neste momento difícil”, escreveu Cida na publicação.

Fonte: EBC Política Nacional

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