MATO GROSSO
Perfil das mulheres presas e políticas de atenção a esse público são debatidas no Tribunal
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12 meses atrásem
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oestenewsNa oportunidade, a assessora jurídica do Núcleo de Execução Penal das comarcas de Cuiabá e Várzea Grande, colaboradora do GMF-MT e mestre em Política Social, Patrícia Cristina dos Santos Bachega, apresentou o resultado da pesquisa intitulada “Perfil das mulheres privadas de liberdade do Estado de Mato Grosso”, que entre janeiro e agosto deste ano entrevistou 606 mulheres reclusas em unidades prisionais de Cuiabá, Colíder, Cáceres, Nova Xavantina, Nortelândia e Rondonópolis.
A pesquisa aponta, quanto ao perfil socioeconômico, que 79% das mulheres encarceradas são negras, 81% trabalhavam antes de serem presas, 66,3% recebiam até um salário mínimo, 62% eram as únicas responsáveis pelo sustento da casa, 39% possuem o ensino fundamental incompleto e 28,2% possuem o ensino médio incompleto.
Dentro do recorte de mães encarceradas, 55% das mulheres entrevistadas são mães de filhos menores de 12 anos. Quanto a esses filhos, 77% estão sob os cuidados das avós ou outros familiares e 1% está em instituições de acolhimento.
Mito do abandono – Conforme Patrícia Bachega, a pesquisa derrubou a hipótese de que as mulheres presas eram abandonadas pela família por terem cometido crimes. Isso porque 60% delas responderam que recebem visitas familiares, sendo que 47% dessas são visitadas por outras mulheres da família e 9% pelo companheiro. Das que não recebem visitas, 49% apontam a distância da unidade prisional em relação à residência dos filhos e familiares como motivo para não realização de visitas e 22% alegam falta de condições financeiras para as viagens.
“O que mais nos causou assombro é que se pensava que a família abandonava as mulheres porque queriam, que por algum machismo estrutural, simplesmente a família se afastava. Mas quando começamos a fazer a pesquisa e começamos a perguntar àquelas que não recebiam visita, que são 40% desse universo: ‘porque sua família não te visita?’, a maioria delas respondeu que é porque não tem condição financeira de trazer as crianças e de vir um familiar na unidade prisional”, disse a pesquisadora.
Quanto aos crimes majoritariamente praticados pelas participantes do questionário, 51% estão presas por participação em tráfico de drogas, 16,7% por crimes contra o patrimônio, 15,6% por crimes contra a vida e 7,3% por organização criminosa. A maioria, 61%, é réu primária. De acordo com Patrícia Bachega, grande parte dos crimes é de subsistência, ou seja, foram cometidos devido a uma situação de vulnerabilidade socioeconômica dessas mulheres que, em sua maioria, são as únicas responsáveis pelo sustento da família.
Em relação às atividades realizadas para progressão de pena, 37% das mulheres desempenham atividades estudantis, 31% trabalham intramuros e 12% trabalham extramuros.
O juiz de Execução Penal e coordenador do GMF-MT, Geraldo Fidelis, comentou que apesar das dificuldades, a pesquisa mostra avanços no sistema carcerário. “Se comparar os dados de hoje com os de 10 anos atrás, quando se tinha um diretor do sexo masculino lá no [presídio] Ana Maria, é muito diferente. Tem muito chão pela frente, a estrada é muito longa, tem muitos problemas, mas com essa pesquisa dá pra ter uma visão panorâmica. Com esses dados dá pra fazer inúmeros livros, muitas discussões de implementação de políticas públicas”, disse.
O magistrado reforçou que o GMF-MT está atento às demandas da população prisional, especialmente a feminina e LGBTQIA+. “Estamos, em Mato Grosso, abertos para, com dados, com base na realidade, com ouvidos bem abertos, para escutar o clamor, seja da população LGBTQIA+ ou das mulheres, para retirar a palavra mais falada, que é a invisibilidade, o esquecimento”.
A superintendente de Políticas Penitenciárias da Secretaria-Adjunta de Administração Penitenciária do Estado, Gleidiane Assis, também participou do debate a respeito do censo feminino prisional e pontuou que a realidade é desafiadora, principalmente nos aspectos das mulheres LGBTQIA+. “São dois fatores de vulnerabilidade e extrema vulnerabilidade. E para que possamos criar políticas para ajudá-los, a gente precisa entender. Então, quando a Patrícia nos propôs estar fazendo esse questionário, que foi todo elaborado em conjunto, a gente precisava entender o que de verdade se passa com essas mulheres. Ainda que os dados revelem falhas ou dificuldades, foi necessário para que pudéssemos entender e, daí em diante, pudéssemos pensar numa forma de políticas que de fato atendam às necessidades desse público que é tão vulnerável”.
Gleidiane enfatizou ainda que o levantamento é importante para mudar a realidade dessas mulheres entre a entrada e a saída delas do sistema prisional, por meio do estudo e do trabalho. “Como podemos mudar essa realidade? Com políticas de educação (Enceja, Enem, parcerias com faculdades). Estamos sempre em busca de parcerias para mudar a condição de vida dessas mulheres. A gente tem trabalhado nesse sentido, com o compromisso de correr atrás e ver efetivadas essas políticas. Porque é muito triste você passar por isso, ver tudo isso e quando sair e reincidirem, a situação é pior! Não viram seus filhos crescerem, não tiveram a oportunidade de estudar, de se qualificar dentro do presídio. Já que ali ela vai passar aquele momento para cumprir a pena dela, por que não trazermos políticas que mudem de fato?”, disse.
“Política de atenção à mulher privada de liberdade: misoginia e privação de direitos” – Este foi o tema da mesa de debate mediada pela servidora do TJMT, Patrícia Bachega. A primeira expositora foi Taynara Morais Humbelino, assistente social e coordenadora da Unidade de Atendimento de Mulheres e Meninas ‘Professora Sarita Baracat – Casa de Sarita’, em Várzea Grande. Ela levou ao debate o questionamento sobre o trabalho das equipes psicossociais dentro das unidades prisionais, levando em conta que, conforme comprovado pela pesquisa anteriormente apresentada, a maioria das mulheres privadas de liberdade são negras, jovens, que ganham até um salário mínimo e praticam crimes de subsistência.
“Penso que, no âmbito da política assistencial, a gente tenha uma rede de assistência à mulher presa. Tenho que ligar para o município e verificar quais são as políticas de saúde, educação e assistência social. Elas precisam que tenha algo no CRAS, no CREAS para que seja um ponto de apoio. A questão social a que essas mulheres estão impostas é uma das piores possíveis porque ser mulher já não é fácil na sociedade em que vivemos, ser mulher presa é muito mais complicado ainda! Então, se a mulher não tiver acesso, não tiver apoio, não tiver uma política pública digna para recebê-la, ela vai voltar ao crime novamente e não é porque ela quer, é porque ela é imposta a isso”, explanou.
A assistente técnica do Programa Fazendo Justiça, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Natália Vilar Pinto Ribeiro, destacou a importância do censo apresentado. “Se a gente olhar para os números, a invisibilização vem justamente do todo que a gente tem. Como foi muito bem colocado pela Taynara, as unidades prisionais femininas são feitas por homens para homens, que são 95% desse universo prisional”, disse, comentando ainda que falta informações como a levantada em Mato Grosso para formulação de políticas públicas específicas para cada grupo.
A palestrante defendeu que como 62% das mulheres presas são as únicas responsáveis pelo sustento da família, o aprisionamento não é a melhor resposta do Estado para elas. Em relação ao dado que mostra que 79% das mulheres presas são negras, Natália criticou: “É preciso que a gente problematize, é preciso que a gente estranhe esse dado, entendendo que o cárcere nasceu e segue até hoje reproduzindo uma função de excluir determinada camada da população”. Ela lembrou ainda que 0,8% das mulheres privadas de liberdade são indígenas e que o fato de ser um índice pequeno, causa ainda mais invisibilidade. “As leis não são pensadas nessas especificidades”.
A representante do CNJ parabenizou a iniciativa sensível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que, segundo ela, “busca não reproduzir exclusões, trazendo para a mesa as pessoas mais importantes no debate, incluindo as egressas do sistema penitenciário”.
Exemplo de superação – A diretora financeira da Cooperativa de Responsabilidade Social de Mato Grosso (Coores – MT), Juliet Mayara da Silva, também compôs a mesa e relatou o sofrimento das mulheres presas que, por conta da distância da família, ficam sem notícias dos filhos. “O nosso coração é o tempo todo chorando pelos nossos filhos. Erramos e passamos por lá. Pagamos de forma terrível, por estar longe, afastadas dos filhos, o que é muito difícil. Geralmente a gente perde familiares lá dentro e, às vezes, nem sabe que perdeu”, relatou.
Ela agradeceu pela oportunidade que teve de reinserção social, com apoio da Fundação Nova Chance. “Eu consegui um emprego, assistida pela Fundação Nova Chance, que é o passo que a gente dá para se inserir novamente, que seria o trabalho para voltarmos para casa, pegar nossos filhos e se ele pedir algo a gente ter, isso é muito digno. Hoje eu trabalho no Tribunal de Justiça e estudo, procuro sempre estar buscando estudos porque a gente já não é tão vista, e sem estudo, a gente não consegue se inserir na sociedade dignamente”, afirmou.
No mesmo painel, a pós doutora Vládia Maria de Moura Soares, professora de criminologia e execução penal nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), partilhou sua experiência com a doutrina, com o ambiente acadêmico e como advogada criminalista sobre a invisibilidade das mulheres no sistema penal de Mato Grosso.
“Esses encontros se fazem tão importantes porque nós precisamos levar essa realidade, com dados, com censos, com números, para a sociedade civil. Nós precisamos abrir a mente daqueles que estão estudando Direito, que não conhecem a realidade da mulher no cárcere, eles não sabem quantas mulheres são encarceradas, são invisíveis, não sabem o que é a visita feminina no Ana Maria do Couto”, relatou.
A professora, que passará a fazer parte do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário de Mato Grosso do Tribunal de Justiça (GMF), também falou sobre a invisibilidade da mulher na história. Em 1876, quando começaram a estudar o ser humano criminoso, estudava-se os homens, ignorando totalmente a realidade da mulher.
“Essa mulher nessa época era tratada como a histérica, a louca, problemática e tantos outros pressupostos que as levavam para manicômios judiciários. Não somos loucas, não somos histéricas, não temos problemas mentais. Somos diferentes dos homens em questões hormonais, nós geramos filhos. O índice de psicopatia em mulheres é de 1% na população mundial, enquanto nos homens é de 51%. Com isso, o sistema carcerário construído para o homem invisibiliza totalmente as mulheres, ignora o fato de que somos diferentes, pensamos e agimos diferente e precisamos de um tratamento diferenciado”, argumentou.
#ParaTodosVerem – Esta matéria possui recursos de texto alternativo para promover a inclusão das pessoas com deficiência visual. Foto horizontal colorida com as integrantes da Mesa 2 de debate. Cinco mulheres estão sentadas na mesa do dispositivo de palestrantes, com um painel ao fundo com quadrados onde são exibidas a logomarca do organizador, a Associação Mais Liberdade, e logos do evento. Ao centro está escrito “1º Seminário LGBTQIA+ Prisional”. A mediadora Patrícia Bachega fala ao microfone enquanto lê papéis. Há um tapete no chão do plenária, plantas à frente e ao fundo e dois mastros com as bandeiras de Mato Grosso e do Brasil.
Celly Silva e Mylena Petrucelli
Coordenadoria de Comunicação da Presidência do TJMT
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