O livro Frankenstein, com elementos gráficos feitos por softwares de inteligência artificial (IA), foi retirado da lista de semifinalistas do Prêmio Jabuti, o mais importante do cenário literário nacional. A decisão foi anunciada nesta sexta-feira (10) pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), organizadora da premiação.
A lista inicial das obras selecionadas foi divulgada na quinta-feira (9), e Frankenstein, do designer Vicente Pessôa, publicado pela editora Clube de Literatura Clássica, era um dos 10 selecionados na categoria ilustração.
A ilustração do clássico de Mary Shelley foi publicada em 2022. À época do lançamento, a editora propagandeou a iniciativa inédita. “Pela primeira vez — não só no Brasil, mas no mundo — um clássico foi inteiramente ilustrado por inteligência artificial: a nossa edição de Frankenstein”, dizia a publicação no Instagram do Clube de Literatura Clássica.
Fora das regras
Ao justificar a desclassificação, a CBL explicou que “as regras da premiação estabelecem que casos não previstos no regulamento sejam deliberados pela curadoria, e a avaliação de obras que utilizam IA em sua produção não estava contemplada nessas regras”.
“A glória do artista é ser incompreendido e louvado depois da morte”, disse à Agência Brasil o designer Vicente Pessôa.
Na opinião dele, já houve na história várias polêmicas similares a essa, citando a invenção da fotografia e do cinema. “As pessoas sempre têm medo das coisas novas. A gente fez uma coisa nova, e, agora, com a desclassificação, estamos sendo punidos por isso.”
Jurado
Nesta sexta-feira, antes da decisão da CBL, o cartunista André Dahmer, um dos jurados responsáveis pela seleção, tinha usado a rede social X (antigo Twitter) para dizer que não sabia que as ilustrações tinham sido geradas por IA.
Segundo Dahmer, na catalogação na publicação constava que a autoria da obra era somente de Vicente Pessôa. “Foi nisso que me fiei para avaliar o trabalho”. Em seguida, relatou que acima da publicação havia referência da autoria creditada como “Vicente Pessôa e Midjourney”. Midjourney é o nome do software de IA.
“Não conheço os nomes de ferramentas de inteligência artificial, nem quero conhecer. A organização do prêmio, ao me enviar o livro, também desconhecia o nome desta ferramenta. Outro jurado, Eduardo Baptistão, também não sabia que avaliava um trabalho híbrido.”
“Em defesa do autor, no livro constava a coautoria de um robô. Então, não houve má-fé no ato da inscrição”, acrescentou o cartunista. “Da minha parte, veria e julgaria o livro com outros olhos sabendo tratar-se de uma obra híbrida, é claro”, completou Dahmer, que fez analogia a outra polêmica, o uso de robôs em partidas de xadrez.
Homem x máquina
“Vi a discussão sobre o uso de IA na época em que máquinas começaram a derrotar grandes mestres”, lembrou. “À época, ficou claro para todos que o xadrez seria jogado apenas entre seres humanos em torneios oficiais, salvo em eventos de mero entretenimento ou de teste das máquinas. Acho correto e justo.”
Dahmer, inclusive, sugeriu que a organização do Jabuti crie uma categoria de ilustração com auxílio de IA na próxima edição do prêmio.
A CBL informou que “a utilização dessas novas ferramentas será objeto de discussão para as próximas edições da premiação”.
“Se eles inventaram categoria de ilustração com IA, eu sugiro que eles nomeiem prêmio Frankenstein, para lembrar do que aconteceu esse ano”, rebate Pessôa.
“Eu não acho que deveria ter uma categoria de ilustração com IA e ilustração na mão, porque seria dividir uma categoria por técnica. Não tem categoria de ilustração com fotografia, ilustração com xilogravura, com serigrafia, ilustração no photoshop”, diz o designer.
Capa do livro Fankenstein. Foto: – Vicente Pessôa/ Divulgação
Tendência
Pessôa diz acreditar que o uso da IA em ilustrações é irreversível. “Eu estou utilizando praticamente todos os dias, é um outro photoshop em várias etapas do processo de formação de imagem. Quem não usar vai ficar para trás, não tem como. É uma ferramenta boa, se estiver na mão boa. Ela está aí, as pessoas vão utilizar.”
Apesar de se sentir punido por inovar, Pessôa enxerga um lado positivo na decisão da CBL. “É o principal prêmio de literatura do Brasil, e as pessoas só estão falando das nossas ilustrações. A melhor coisa que poderia ter acontecido foi essa desclassificação.”