Uma vertente do Direito que tem se desenvolvido no mundo acadêmico, o chamado Direito Constitucional Climático foi apresentado pelo defensor público do Estado de São Paulo e professor de Direito Ambiental, Constitucional e Difusos, Tiago Fensterseifer, aos participantes do IX Encontro de Sustentabilidade e do I Seminário de Mudanças Climáticas, realizado na manhã de segunda-feira (30 de setembro), na sede do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). O evento é uma realização do Núcleo de Sustentabilidade do TJMT, em parceria com a TV Centro América e com a Energisa.
Conforme defende o conceito de Direito Constitucional Climático, o cenário atual aponta para a necessidade de deveres de proteção climática do Estado ao direito fundamental ao clima limpo, estável e seguro das pessoas.
“Não tenham dúvida de que 2024 já entrou para a história. Esse novo normal climático, como cientistas, em especial os do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, já haviam alertado de forma muito enfática, o sexto relatório em que se identificou os episódios climáticos extremos de enchentes, secas, incêndios florestais, ou seja, tudo isso que em 2024 ocupou o noticiário, mas, acima de tudo, impactou a vida dos brasileiros, literalmente, de norte a sul do Brasil, revelando que fazemos parte de uma mesma casa planetária. Então, esses episódios climáticos extremos, de acordo com o IPCC, se darão de modo cada vez mais intenso e frequente”, afirmou o palestrante.
Segundo o defensor público Tiago Fensterseifer, em razão desses acontecimentos climáticas, observados ao redor do mundo, o Direito Climático tem pautado cada vez mais as discussões no mundo jurídico, inclusive na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que designa como “zonas de sacrifício ambiental e climático” determinadas localidades e populações que, devido à agravada situação de poluição, têm violados os seus direitos fundamentais. “Isso impacta de modo desproporcional indivíduos e grupos sociais vulneráveis. Então, é isso o que a gente identificou, por exemplo, em mais de meio milhão de deslocados nas enchentes do Rio Grande do Sul, além de situações de emergência de saúde pública”, pontuou.
Destacando que a Organização das Nações Unidas (ONU) já trabalha com o conceito de saúde integral, que congrega três dimensões de saúde: a saúde humana, a saúde animal e a saúde sistêmica, relacionada com o meio ambiente, Tiago Fensterseifer defendeu a construção de nova narrativa jurídica em torno não só de Direito Climático, mas do Direito Constitucional Climático.
“Vivemos um processo muito importante e o Brasil é exemplo para o mundo de uma espécie de constitucionalização do Direito Ambiental, com a Constituição de 1988. E hoje a gente pode pensar em um capítulo mais avançando dessa narrativa constitucional ambiental e ecológica brasileira, rumando justamente no sentido de um Direito Constitucional Climático”, disse.
Argumentando que a questão climática está diretamente ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, o palestrante argumentou: “Não tem como assegurar uma salvaguarda efetiva a uma vida digna e saudável sem contemplar um patamar mínimo em termos de qualidade e segurança ambiental e climática”, dando como exemplo o que aconteceu com milhares de pessoas após as enchentes no Rio Grande do Sul, em maio deste ano.
Em sua palestra, Tiago Fensterseifer também apontou alguns avanços, como a Política Nacional de Defesa Civil, que no ano passado sofreu alterações, criando deveres do Estado em intervir preventivamente e responder de forma efetiva a desastres e reconhecendo direitos das vítimas de desastres ambientais. Também elencou a reforma tributária, realizada em 2022, que inseriu um inciso no artigo 225 da Constituição federal, reconhecendo o favorecimento de biocombustíveis em detrimento de combustíveis fósseis. “O que é simbólico no sentido de estabelecer deveres que extrapolam a vinculação normativa do poder público, pois envolve também particulares, trazendo o dever de descarbonização da matriz energética”, comentou.
Por fim, ao apontar a questão do clima como o maior desafio atual da sociedade e afirmar que “os desafios são grandes, mas a gente não tem mais tempo a perder”, o palestrante reforçou a necessidade de avançar para o reconhecimento do direito fundamental ao clima. “Eu acho que, assim como falar só de deveres de proteção ambiental e não falar de deveres de proteção climática seria algo insuficiente, do ponto de vista do regime constitucional que nós temos, dos desafios civilizatórios que temos diante de nós (e o ano de 2024 é a prova disso), da mesma forma, me parece que a gente tem que caminhar para reconhecer não só o clima, assim como o meio ambiente foi reconhecido no passado, mas reconhecer o clima, o sistema climático, a segurança do sistema climático como um bem de estatura constitucional”.
Palestra Painel do Clima: calor extremo, seca, prejuízos ambientais e econômicos e plano de contingência – O IX Encontro de Sustentabilidade e I Seminário de Mudanças Climáticas também trouxe a meteorologista e consultora da Energisa, Ana Paula Paes, apresentou o painel climático brasileiro, especialmente de Mato Grosso, que informou e alertou a todos sobre o impacto que o prolongamento dos períodos de seca e aumento das temperaturas têm gerado na vida dos cidadãos, incluindo o aumento do consumo de energia.
Mediado pelo business partner de Comunicação Corporativa da Energisa, Jorge Sírio, o painel informou que as chuvas muito abaixo da média, ou seja, uma das secas mais intensas já registradas no Brasil, especialmente nas regiões do Centro-Oeste, Norte e Nordeste, além dos bloqueios atmosféricos, ou seja, a alta pressão atmosférica, que desfavorece a formação de nuvens e a passagem de frentes frias, foram dois fatores que contribuíram para o atraso do início da estação chuvosa.
“Quando falamos em temperatura, o calor é cada vez mais intenso. Eu faço previsão do tempo para a Energisa há 5 anos e eu nunca tinha visto um período com ondas de calor tão intensas como as que a gente está vendo atualmente. Antes a gente via ondas com cinco dias, a última começou e parece que não acabou mais”, comentou a palestrante.
Ana Paula ainda apresentou mapas que demostram anomalias na temperatura da região central do Brasil, com temperaturas acima da média. Quanto aos focos de fogo, imagens de satélite, captadas nos dias 9 e 26 de setembro de 2024, mostraram as áreas com focos de calor em Mato Grosso. “Reduziu um pouco, mas, ainda assim, a gente ainda consegue ver essa fumaça toda em cima do país. Quando a gente tem uma atmosfera mais aquecida, como a gente já vem acompanhando, e aí a gente tem uma entrada de umidade, isso tende a favorecer ainda mais os mecanismos de convecção que formam nuvens de tempestade. E agora a gente tem um componente a mais que é a fuligem das queimadas, e isso contribui também para intensificar essas nuvens de tempestade”, apontou, destacando que Mato Grosso, em 2024 já registra 223% de aumento nos focos de queimadas em relação ao ano passado.
Outra anomalia climática abordada pela meteorologista é a presença cada vez mais frequente do fenômeno “la niña”. Segundo ela, o comum é que haja um ano de intervalo entre o “el niño” e a “la niña”, porém, o que se observa é que a “la niña”, tem ocorrido consecutivamente desde 2020. “A gente tem visto cada vez mais eventos extremos mudando o que a gente acompanhava”, disse Ana Paula.
Quanto a previsão do tempo para os últimos três meses do ano, a especialista apontou que outubro permanecerá próxima ou abaixo da média de chuvas, na maior parte de Mato Grosso e que até dezembro, as temperaturas estarão acima da média. Ela informou ainda que existe a previsão de que temperaturas próximas dos 50 graus se tornem o “novo normal”.
“Daqui a 50 anos, a temperatura no Brasil pode estar insuportável e Mato Grosso fica nessa área com temperaturas mais críticas. Mas o que mais me assusta é que, há cerca de 10, 5 anos atrás, quando a gente falava em mudança do clima, a gente sempre falava ‘no futuro’. E o futuro chegou. A gente está vendo tudo o que estava sendo planejado para daqui a alguns anos ocorrendo agora”, alertou Paes.
Na visão dela, eventos como o organizado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso e a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que será realizada no ano que vem, em Belém do Pará, são oportunidades que a população tem para refletir e mudar.
O mediador do painel, Jorge Sírio, ressaltou ainda o papel de todos na busca pelos Objetivos de Desenvolvimento Sutentável (ODS), como forma de encontrar soluções para problemas como pobreza extrema, famílias que não têm condições dignas de moradia para enfrentar períodos de calor excessivo, por exemplo. “Como estamos pensando nisso enquanto sociedade? Como a gente vai tratar isso? Essa é a oportunidade que a gente tem de discutir porque o que estamos fazendo não é suficiente. O legado que estamos deixando é de extinção”.
Por outro lado, ele apontou que, no âmbito da iniciativa privada, “as empresas não têm mais como pensar só no negócio, elas têm que pensar em alternativas de fazer diferente”. Ele elencou alguns projetos da Energisa voltados para a questão climática. “Um deles é o Verde Novo [programa de distribuição e plantio de mudas de árvores, em parceria com o TJMT e com a TV Centro América]. Também estamos rodando as escolas com caminhão de eficiência energética, com doação de mudas justamente para falar com as crianças, onde a gente tem uma transição de legado. Esse projeto é constante e, de certa forma, contribui para um futuro melhor”.
#Paratodosverem – Esta matéria possui recursos de texto alternativo para promover a inclusão das pessoas com deficiência visual. Foto 1: Defensor público e professor de Direito Ambiental, Tiago Fensterseifer, fala ao microfone, no púlpito do auditório do TJMT. Ele é um homem branco, magro, de cabelos castanhos claros, usando calça jeans, camisa azul com listras brancas e paletó cinza escuro, gesticulando. Atrás dele, há um telão que projeta o tema de sua palestra e sua foto. Foto 2: Meteorologista Ana Paula Paes durante sua palestra, fala ao microfone. Ela é uma mulher de pele morena clara, cabelos lisos, abaixo dos ombros, olhos e cabelos castanhos escuros, usando calça social preta e blusa de manga comprida bege. Atrás dela, há um telão que projeta a imagem de um mapa. Foto 3: Foto em plano aberto que mostra a plateia sentada assistindo ao painel apresentado por Ana Paula Paes e Jorge Sírio, que estão no palco, em pé. No telão, aparece a imagem de um mapa relativo às chuvas.
Celly Silva/ Fotos: Alair Ribeiro
Coordenadoria de Comunicação Social do TJMT
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Fonte: Tribunal de Justiça de MT – MT