A Justiça Restaurativa é uma ferramenta que pode ser usada no processo de cura de traumas pessoais e coletivos e de garantia da dignidade humana, mesmo em ambientes burocráticos. É o que defendeu o sociólogo Vernon Eugene Jantzi, professor da Eastern Mennonite University do Estado da Virgínia (EUA), durante o painel de abertura do 1º Encontro Nacional de Justiça Restaurativa, que proferiu a palestra “Justiça Restaurativa na ambiência institucional”.
A juíza do TJPR e membro do Comitê Gestor da Justiça Restaurativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Jurema Carolina da Silveira Gomes, presidiu o painel. O evento é organizado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) em parceria com o CNJ, entre os dias 18 e 19 de outubro, na sede da Corte estadual.
O sociólogo iniciou a palestra tratando sobre a influência do trauma na dignidade e no comportamento humano. Segundo Vernon, a dignidade é um valor humano poderoso, que, assim como preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos acompanha desde o nascimento. Mas quando essa dignidade é violada ou ameaçada, por exemplo, por meio da humilhação, que é a desvalorização da pessoa, ela fica enfraquecida.
“O que a Sociologia fala a respeito da humilhação é que se trata de um despir de si próprio. Nós fazemos isso na sociedade através das instituições porque elas despem os seres humanos de si próprios”, disse o professor, citando como exemplos de instituições que exercem essa humilhação institucional a polícia, o sistema prisional e as escolas religiosas. “O exército é uma instituição que totalmente absorve você e você é despido de todo o seu autovalor e você vai ver só o valor da instituição em si […] A prisão geralmente despe você de quem você é. Você não tem suas próprias roupas, você põe um uniforme, você não controla sua vida. Essas instituições fazem isso. Todas essas estruturas violam a nossa dignidade. Nós organizamos essas instituições para serem assim como parte de um programa de punição”, explicou.
Traumas – Dentre as formas de reação, o palestrante iniciou abordado a negativa. “Quando nós somos ameaçados na nossa dignidade, tem uma resposta fisiológica. Essa resposta é a mesma de quando somos ameaçados fisicamente”, disse, se referindo ao que a neurociência classifica como sequestro emocional, que é quando a parte do cérebro responsável pela racionalidade é dominada pela parte responsável pelas emoções, podendo levar a pessoa a agir de forma instintiva, por vezes, até agressiva. “Pensem nas pessoas que tenham feito mal a alguém. Depois, eles sentem tanta vergonha. Então a Justiça Restaurativa tem que trabalhar isso”, sugeriu o professor Vernon Eugene.
Conforme a explanação, estruturas burocráticas, institucionais, onde as obrigações forçam as pessoas a agirem de determinada maneira, acabam gerando desafios entre as pessoas, o que pode culminar em traumas ou em resiliência. “O estresse supera e deixa uma marca”.
Afirmando que traumas estão ligados a violações de dignidade, Vernon Eugene abordou ainda as diferentes formas de traumas: secundários (quando somos impactados pelo sofrimento de outras pessoas) ou participatórios (quando estamos envolvidos no sofrimento, seja como vítima ou agressor). Outro tipo de trauma apresentado foi o estrutural. “A história que a gente viveu nos transforma no que nós somos. É o trauma estrutural. A pobreza persistente, por exemplo, por conta de um sistema econômico que está posto ao longo da história”, exemplificou.
O sociólogo Vernon Eugene abordou ainda comportamentos que podem levar as pessoas a serem vítimas e, consequentemente, agressoras. Por exemplo, uso de drogas, compulsão alimentar, automutilação, trabalho excessivo, alcoolismo, ansiedade, depressão. “É um ciclo que se forma”, disse, ponderando que as relações sociais pautadas na construção da paz são muito importantes para quebrar esse ciclo de traumas e de sofrimento, que afeta não só a pessoa, mas a comunidade.
Justiça Restaurativa como ferramenta – Como resposta positiva a toda essa estrutura de violações da dignidade humana, Vernon Eugene abordou também o ciclo entre o trauma e a cura. Para ele, a Justiça Restaurativa é uma das ferramentas que pode ser utilizada nesse processo. “A gente tem que envolver a comunidade porque o mal que foi feito nos dá uma razão para envolver todos nisso e vejo nisso uma oportunidade”, afirmou.
O palestrante elencou formas que a Justiça Restaurativa pode ser trabalhada. “É interessante porque nós temos círculos, painéis de comunidade, pessoas contando histórias de outros, atividades diárias como propósitos de relacionamentos, por exemplo, corais, atividades físicas, teatro, jogos, entre outros”, citou.
Vernon abordou ainda a importância de identificar lideranças que possam influenciar e conduzir as demais do grupo a construírem esse relacionamento social que irá culminar em uma cultura de paz. “Se você quer falar com o topo, talvez você precise de alguma coisa que tenha relevância, uma organização que represente a todos, por exemplo. Regionalmente, é preciso construir esforços para criar a mudança em níveis diferentes, que serão complementares”.
Vernon destacou também a necessidade de as pessoas terem arbítrio dentro dessa estrutura burocrática, para que ela não seja uma violadora de dignidade. “Quando a gente vê uma fragilidade numa burocracia, a gente abre um pouco mais para criar um espaço, para criar energia porque a energia está na burocracia e quando você expande um pouco as coisas começam a acontecer porque as pessoas começam a ter o arbítrio. Vocês já fazem isso, vocês estão criando os espaços nas escolas para que eles sejam criativos”, disse, se referindo aos círculos de construção de paz que são realizados nas unidades escolares parceiras do Núcleo Gestor da Justiça Restaurativa (NugJur).
O palestrante aproveitou para elogiar o trabalho que vem sendo feito pelo Judiciário brasileiro, por meio da Justiça Restaurativa. “Vocês estão fazendo um trabalho muito bonito, organizando a Justiça Restaurativa em grupos diferentes. É muito satisfatório para mim ver o que aconteceu no Brasil nos últimos 20 anos. É importante para as Nações Unidas o que vocês vem atuando no cenário nacional. Existem desafios que temos que enfrentar. A gente precisa de líderes que criem espaços burocráticos”, disse, afirmando que todos são criadores de espaços, enquanto construtores da paz.
Ao afirmar que o Brasil está na vanguarda de diversos aspectos sociais, o sociólogo Vernon Eugene apontou para a necessidade também dessa atuação no aspecto ambiental. “Continuem criando esses espaços para que outras pessoas vejam e digam: ‘é isso que nós precisamos fazer’. Tenho empatia pelos desafios que vocês estão enfrentando, mas vocês deveriam ter orgulho e eu espero que vocês sejam orgulhosos do que têm acontecido. Seja o espaço e crie o espaço que você gostaria de atuar”, finalizou.
#Paratodosverem
Esta matéria possui recursos de texto alternativo para promover a inclusão das pessoas com deficiência visual. Foto 1: Mediadora do painel, a juíza do TJPR e membro do Comitê Gestor da Justiça Restaurativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Jurema Carolina da Silveira Gomes, fala ao microfone, apresentando o palestrante e professor Vernon Eugene Jantzi, que está sentado ao lado dela. Ambos estão no palco do Plenário 1 do TJMT. Ela é uma mulher jovem, de pele clara, cabelo liso e ruivo, usando óculos de grau com armação marrom, blusa vermelha, saia de couro marrom, sandália e echarpe marrons. Ele é um idoso de pele branca, calvo, usando óculos de grau, camisa azul, terno azul marinho, calça bege, sapato marrom e gravata estampada em tons bege e azul. Foto 2: Professor Vernon Eugene durante sua palestra. Ele é um idoso de pele branca, calvo, usando óculos de grau, camisa azul clara, terno azul marinho, gravata estampada nas cores bege e azul. Ele está em pé, falando ao microfone no púlpito. Foto 3: Foto da primeira fila a plateia, onde estão sentados: o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e coordenador do Comitê Gestor da Justiça Restaurativa do CNJ, Luiz Philippe Vieira de Mello; a presidente do TJMT, desembargadora Clarice Claudino da Silva; o secretário de Estado de Educação, Allan Porto, o juiz auxiliar da Presidência e coordenador do NugJur, Túlio Duailibi Alves Souza e demais autoridades.
Celly Silva/ Fotos: Ednilson Aguiar
Coordenadoria de Comunicação da Presidência do TJMT
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Fonte: Tribunal de Justiça de MT – MT