A sociedade precisa ser inclusiva em relação às diferenças e há muitos caminhos ainda em construção para que seres humanos considerados “atípicos” sejam respeitados simplesmente por serem humanos. Por escolha e vocação, trabalho com pessoas obesas e pela cura destas, não porque elas sofram preconceitos, mas porque o mais insidioso risco sobre elas é a perda da qualidade de vida.
Temos uma “guerra” a travar contra estímulos sociais, hábitos arraigados, questões emocionais, e, sim, questões metabólicas. Os “inimigos” vêm de todos os lados e não escolhem cor, raça, sexo ou classe social. Infelizmente, o exército contrário tem mostrado vantagem e ampliado território. Na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS,2020), mais da metade da população adulta no Brasil apresenta excesso de peso, algo como 60,3%, ou quase 100 milhões de pessoas atingidas por esse inimigo multifacetado.
A brigada de atendimento às vítimas dos excessos de alimentos ultraprocessados, do consumo desenfreado de açúcar, sal, óleo, e falta de exercícios tem desafios inglórios a transpor. Faltam armas como políticas públicas, orientação nutricional na base da sociedade, na merenda escolar, bem como nos ambientes de trabalho, por exemplo.
O que vem primeiro? Os hábitos alimentares e os estímulos sociais ou a obesidade como padrão metabólico? A resposta não é tão fácil, mas hoje já se sabe como trabalhar na prevenção dessa doença social, que impacta a saúde pública, causa dor e sofrimento e, claro, é mais um item a ser trabalhado em termos de inclusão e aceitação social.
Precisamos acrescentar como aliado nesse exército a luta contra o sedentarismo. Nem sempre tivemos exemplos na infância ou mesmo adolescência da importância de atividade física permanente ou caminhadas em parques, avenidas com a família ou amigos. Aliada a isso, a sociedade moderna nos convida a falta de movimento permanentemente. Qualidade de vida, significa também trabalhar contra o sedentarismo, a falta de movimento e o consumo excessivo e sem critério de alimentos.
A conscientização de que há uma “guerra” a ser travada contra os insidiosos (e prazerosos) estímulos de consumo é o primeiro degrau de uma subida íngreme, principalmente para aqueles que já extrapolaram os padrões considerados saudáveis em relação ao peso do próprio corpo. Tratar essa condição é o segundo degrau, mas, neste patamar, há a necessidade de uma ajuda multidisciplinar, envolvendo área médica com várias abordagens, psicólogos e profissionais no âmbito da Educação Física, bem como uma orientação nutricional complementar, para que haja uma “barricada” completa contra os ataques, que sabemos, vêm de todas as direções.
O fato é que essa “estratégia de guerra”, feita como se deve, vai excluir boa parte das pessoas que sofrem de obesidade hoje no Brasil porque o tratamento demandará, obviamente, investimento, disciplina e mudança de hábitos alimentares.
Com base na experiência que adquiri na linha de frente dessa luta, minha sugestão é que a parte da sociedade que atua para mitigar os preconceitos e a exclusão possa assumir também a defesa do direito de todos terem acesso aos recursos de tratamento, bem como uma orquestração de políticas públicas para estancar a ciranda, na verdade, a “máquina de moer gente”, que tem atraído cada vez mais pessoas para si. Isso gera custos elevados, especialmente para a saúde pública, que só trata as consequências da obesidade, mas não trata as causas preventivamente.
* Alexandre Vieira Gadducci é mestre e doutor em Ciências da Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). É formado em educação física e especialista em treinamento desportivo. É sócio/administrador da BariWay, serviço especializado no cuidado ao paciente com obesidade mórbida e/ou bariátrico. É membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica e da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica.