A situação e os desafios no enfrentamento de doenças que acometem, de forma mais intensa, as populações de maior vulnerabilidade social foi tema de audiência pública realizada pela Assembleia Legislativa na manhã desta terça-feira (15). Realizado pela Comissão de Saúde, Previdência e Assistência Social, o debate reuniu pacientes, pesquisadores, gestores e profissionais de saúde para diagnosticar a situação atual e propor políticas públicas para ampliar a prevenção e o tratamento das doenças como hanseníase, tuberculose, IST/HIV-AIDS e malária.
Dentre as principais preocupações levantadas estão a dificuldade de acesso a serviços de saúde específicos e a falta de capacitação de profissionais de saúde para reconhecerem e tratarem adequadamente as doenças. Além disso, a ausência de programas efetivos para controle, diagnóstico e tratamento contribui para o agravamento dos casos.
Os gestores de saúde apresentaram dados que trazem uma redução nos números de identificação de casos a partir de 2020, comparados há anos anteriores, o que destacaram como um ponto negativo porque representa, na verdade, uma subnotificação decorrente ainda das dificuldades impostas pela pandemia de covid-19. Além disso, a ausência, nos últimos anos, de políticas públicas e investimentos para combate à doença e tratamento dos pacientes também contribuem para a perpetuação da transmissão.
O presidente da comissão, deputado Lúdio Cabral (PT) falou da preocupação com os números apresentados. “Se indicadores no meio e pós pandemia são baixos, isso é motivo de preocupação porque representa que não estamos alcançando as pessoas com essas doenças transmissíveis. O que é um alerta de maior gravidade”, afirmou. “Se são doenças transmissíveis, isso significa dizer que a propagação está se ampliando na medida em que o sistema não consegue produzir diagnóstico, nem tratar e curar”, explicou.
Entre as enfermidades, uma das maiores preocupações é com a hanseníase. Mato Grosso ainda é o estado brasileiro com maior número de casos notificados nos últimos anos. Segundo dados apresentados pela a técnica do Programa Estadual de Combate à Hanseníase, Ingrid Farina, só o município de Cuiabá tem hoje 3 mil pessoas diagnosticadas com a doença. O principal desafio, segundo ela, ainda é a dificuldade no fechamento de diagnóstico. “Por se tratar de um diagnóstico clínico e poucos médicos terem essa especialização, a identificação da doença torna-se um desafio porque pode ser confundida com outras doenças”, explica. Segundo ela, o Estado está investindo na formação de profissionais médicos que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS) em Mato Grosso para melhorar a eficiência no diagnóstico precoce da hanseníase.
Para Closeny Maria Soares Modesto, representante dos pacientes com hanseníase em Mato Grosso, o número de pessoas acometidas pela enfermidade é muito maior, já que os dados registram apenas os pacientes que estão em tratamento. “Nós sabemos que quando uma pessoa é diagnosticada com hanseníase, é preciso investigar o núcleo familiar porque com certeza terão outras pessoas também vão apresentar a doença. Mas esse trabalho não é feito”, afirma. Closeny defende a criação de um protocolo para diagnosticar e tratar a doença, devido a sua complexidade.
Outra situação que preocupa é quanto às Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), em especial ao HIV/Aids. Para Zamara Brandão Ribeiro- Infectologista do Serviço de Atendimento Especializado (SAE-Cuiabá), além da subnotificação dos últimos anos, a preocupação com a estrutura precária e mudanças nos serviços de acompanhamento aos pacientes é considerada grave.
“O SAE conta com profissionais muito capacitados e supre com eficiência a disponibilidade de medicação para tratamento de controle e de ação preventiva em caso de suspeita diante de uma exposição de risco. No entanto, o prédio está em situação precária, o que põe em risco a salubridade do atendimento ambulatorial e médico”, destacou.
“O prédio é um problema iminente e grave, mas convivendo há 39 anos com HIV, eu quero chamar a atenção para questões negligenciadas que envolvem a dignidade e o suporte emocional para seguir vivendo com um diagnóstico desse”, defendeu Leiry Maria Rodrigues, representante da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS no Estado de Mato Grosso (RNP+). “O direito a um atendimento especializado e com privacidade para evitar exposição que gera preconceito e exclusão, deveria ser um direito básico de quem enfrenta diagnósticos de doenças tão emblemáticas ainda”, complementou.
Leiry explicou que o município fez mudanças no SAE e retirou do núcleo o serviço de atendimento odontológico e posto de distribuição de medicamentos de distribuição gratuita que tratam outras enfermidades, obrigando os pacientes a buscar atendimento nas unidades básicas de saúde. “Isso dificulta o nosso acesso porque nos coloca numa situação de exposição, por ter que noticiar que somos portadores, algo que não nos agrada sair falando. E a outra questão é quanto ao preparo dessas equipes para seguir o protocolo de atendimento especializado”, afirmou.
Na oportunidade, o representante do Ministério Público Estadual, promotor Milton Mattos, adiantou que já tem inquérito aberto que apura a situação do SAE e que pretende notificar o município para providenciar estrutura adequada para funcionamento da unidade. “As investigações realizadas demonstram a precariedade para funcionamento. A secretaria de saúde municipal foi informada de que tem um prazo de sessenta dias para providenciar reforma ou um novo endereço”, adiantou.
O procurador também se comprometeu em ampliar a discussão com pacientes e representantes do município para tratar sobre a situação do consultório odontológico, da farmácia e do incremento de médicos especialistas para atendimento no SAE, conforme reivindicações apresentadas. “Acredito que discussões como essas contribuem para melhoria dos serviços e aprimoramento de um dos maiores patrimônios do Brasil, que é o SUS”, afirmou Mattos.
Para o superintendente estadual do Ministério da Saúde em Mato Grosso, Altir Peruzzo, o debate vai de encontro com a política nacional adotada pelo governo federal que instalou em junho deste ano o Comitê Interministerial para Eliminação da Tuberculose e Outras Doenças Determinadas Socialmente. O grupo, segundo ele, tem como objetivo eliminar, até 2030, enfermidades que acometem, sobretudo, populações mais vulneráveis socialmente. “Muito mais do que doenças, estamos falando de mudanças sociais. É preciso propor políticas públicas mais efetivas, com foco na redução das desigualdades sociais, que em grande medida são as principais causas desses problemas de saúde pública”, afirmou.
Encaminhamentos
Para o presidente da Comissão de Saúde as questões levantadas na audiência de hoje representam apenas o começo dos trabalhos para o combate às doenças socialmente determinadas. “Essa agenda significa a possibilidade de tratarmos essas doenças como problema de saúde pública, algumas, inclusive, históricas como a hanseníase”, afirmou. “A intenção agora é aprofundar as questões levantadas e debater alternativas para criação de ações e políticas públicas de erradicação”, adiantou.
O parlamentar afirmou que pretende estudar a criação de câmara setorial temática para poder levantar dados e conhecer melhor a realidade e as demandas de cada uma delas.