Ao contrário de outros referendos relacionados à anexação de territórios, a votação não questionou os guianeses que vivem em Essequibo, mas sim os venezuelanos. Regiane Bressan, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma essa característica deixa evidente que a intenção do presidente venezuelano Nicolás Maduro é apenas “chancelar uma intenção de tentar retomar o território Essequibo”.
Segundo Regiane, o apoio popular é um dos elementos que Maduro deve usar para alavancar o conflito na região. Por enquanto, o presidente ainda não especificou como pretende retomar o território, mas existe a possibilidade de uma guerra ser instaurada.
“A gente ainda não sabe exatamente como o Maduro vai fazer, porque ele não diz se vai colocar tropas para invadir Essequibo, por exemplo. Mas, evidentemente, é isso que ele está indicando: que ele vai tentar, de alguma forma, à revelia do governo da Guiana ou mesmo da população de Essequibo, retomar o território. Ele chancela isso para o mundo e para sua população dizendo: ‘Eu tenho apoio popular para começar uma guerra e tentar retomar essa região'”, analisa a professora.
Estados Unidos e Essequibo
O conflito por conta da região de Essequibo remonta ainda do século 19, durante o processo de criação da Guiana. Foi em 2015, porém, que a situação voltou a aquecer quando a empresa petrolífera estadunidense ExxonMobil passou a explorar a região. A área se mostrou rica em petróleo depois da companhia encontrar diversas reservas.
Isso fez com que a Guiana despontasse na exploração de jazidas de petróleo, mudando a economia local. Só no ano passado, a economia do país cresceu 62%, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o que representa a maior taxa do mundo.
O governo de Maduro acusa a ExxonMobil não apenas de explorar um território em disputa, mas também de ser usada pelos Estados Unidos para incentivar um conflito local.
“Os Estados Unidos manipularam e compraram, através da ExxonMobil e do Comando Sul, os políticos servis da Guiana, que pouco a pouco transformaram esta nação numa colônia. É uma conspiração inaceitável que visa nos privar dos direitos territoriais que pertencem ao povo venezuelano”, disse Maduro em setembro, quando o governo estadunidense defendeu o “direito soberano da Guiana de desenvolver os seus próprios recursos naturais”.
No discurso deste domingo, Maduro disse que o resultado do referendo foi uma resposta à “insolência da ExxonMobil e do governo da Guiana de tentar usar o território em disputa para montar bases do Comando Sul dos Estados Unidos apontando contra a Venezuela”.
Apesar da forte influência estadunidense na região, Regiane avalia que a Venezuela soube aproveitar o momento de política externa dos Estados Unidos para lançar o referendo, aquecendo o conflito em um contexto menos favorável para os EUA.
De um lado, o país retirou sanções ao petróleo venezuelano, voltando a ter relações com o país. Do outro, está envolvido nas guerras entre Ucrânia e Rússia e entre Israel e Hamas, o que dificultaria seu envolvimento em um possível conflito entre Venezuela e Guiana.
“Os Estados Unidos estão em um momento bem peculiar, e é por isso que a Venezuela escolheu esse momento, não é a toa. Os Estados Unidos estão muito divididos com tantos conflitos, tantas disputas e certamente para eles também seria custoso se envolver num conflito como esse, na medida em que eles também querem continuar obtendo petróleo da Venezuela”, analisa a professora.
Conflito histórico
Embora neste momento a Venezuela vise também os recursos naturais do território Essequibo, a disputa pela área já dura quase dois séculos. “Apesar do Maduro ser tão complicado, não ser democrático, não é um conflito que surgiu agora. É um conflito histórico”, afirma Regiane.
Originalmente, o território de Essequibo pertencia à Venezuela. Ainda no século 19, a área foi tomada pelo Reino Unido que, à época, tinha a Guiana como uma de suas colônias. Após a independência do país, o Reino Unido deixou o conflito como herança. “O conflito teve muitas idas e vindas, não é um conflito que teve, por muitas décadas, um estacionamento”, diz a professora.
Confira alguns momentos históricos que marcaram a disputa:
1811 – Independência da Venezuela é declarada, e o território do país conta com a região de Essequibo;
1841 – Reino Unido (então colonizador da Guiana) traça a chamada Linha Schomburgk, anexando o território Essequibo à Guiana. Venezuela rejeita linha e área passa a ser disputada;
1899 – Acordo de Paris concede a área ao Reino Unido. A Venezuela, porém, não participou das negociações, sendo representada pelos Estados Unidos;
1961 – Venezuela denuncia para a ONU que o acordo de Paris tinha sido arbitrário, e afirma considerar a sentença nula e sem efeito. Como argumento, o país usa uma carta póstuma de um dos juízes estadunidenses que afirma que a negociação foi parcial;
1966 – É assinado o Acordo de Genebra, no qual o Reino Unido reconhece que a região está em disputa. No mesmo ano, porém, a Guiana alcança sua independência, e o Reino Unido deixa a disputa para os países latino-americanos.
Nas décadas que se seguiram, Venezuela e Guiana tentaram diversas negociações. Durante o governo de Hugo Chavéz, que assumiu em 1999, a disputa foi arquivada devido às boas relações entre ele e o governo da Guiana. Em 2015, com as descobertas de petróleo, a gestão de Maduro retomou a reivindicação pela área.
Desde 2018, o caso está na Corte Internacional de Justiça a pedido da Guiana. A Venezuela, porém, não reconhece a jurisdição da corte para julgar o caso. No referendo de domingo, 95,4% dos eleitores concordaram com a “posição histórica da Venezuela de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça”.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, confirmou nesta quinta-feira (12) que receberá seu homólogo chinês, Xi Jinping, em Kazan, no próximo mês de outubro, por ocasião da cúpula dos Brics.
O anúncio foi feito pelo mandatário russo durante encontro com o ministro das Relações Exteriores de Pequin, Wang Yi, em São Petersburgo, segundo a agência Interfax.
De acordo com Putin, as relações entre a China e a Rússia continuam a desenvolver-se “com muito sucesso em todas as direções”, incluindo a “coordenação no cenário internacional”.
Em imagens divulgadas pela mídia russa, Wang destacou que “o presidente Xi está muito feliz em aceitar o convite”.
“Nessa ocasião os dois chefes de Estado terão novas discussões estratégicas”, acrescentou o chanceler, destacando que ambos os líderes “estabeleceram uma confiança mútua sólida e uma amizade profunda”.
O ministro chinês chegou a São Petersburgo para participar da cúpula de altos funcionários e conselheiros de segurança nacional do bloco Brics. Sua visita também foi vista como uma oportunidade para lançar as bases do encontro presencial entre os líderes dos dois países.
A reunião dos Brics está marcada para acontecer entre 22 e 24 de outubro, na cidade russa de Kazan, e será o terceiro encontro presencial de 2024 entre Xi e Putin, poucas semanas antes das eleições presidenciais dos Estados Unidos, em novembro.
Formado inicialmente por Brasil, China, Índia e Rússia em 2009, o bloco foi ampliado com a adesão da África do Sul em 2010 e este ano incluiu vários outros países emergentes, como Egito e Irã. No início de setembro, a Turquia também apresentou um pedido de adesão ao bloco.