O movimento Mobiliza Saracura Vai-Vai protocolou hoje (21), na Câmara de Vereadores de São Paulo, um projeto de educação patrimonial para o bairro do Bixiga, na região central paulistana. A organização busca preservar a história do bairro, afetado pela construção de uma estação de metrô da futura Linha 6 – Laranja, conhecida por 14 Bis. As obras levaram à demolição da sede da escola de samba Vai-Vai, em um dos pontos que, segundo o movimento, era área importante do antigo quilombo que existia na região.
A organização vem pressionando para que a concessionária Linha Uni, responsável pelas obras do metrô, preserve objetos de valor arqueológico que façam parte da história de resistência negra do bairro. A proposta foi apresentada em evento público organizado pela vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL-SP).
Em fevereiro, escavações arqueológicas financiadas pela concessionária foram paralisadas por recomendação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) devido aos alagamentos que se formaram no canteiro de obras, ameaçando os itens de valor histórico. Os trabalhos devem ser retomados após o fim do período de chuvas na cidade. Apesar das inundações, a vistoria feita pelo instituto não constatou danos ao sítio arqueológico.
Preservação da memória
O Mobiliza Saracura propõe que sejam adotadas o quanto antes medidas para resgatar e preservar a história do bairro e do antigo Quilombo Saracura.
“Ações de educação, palestras, atividades, iniciativas de pesquisa. Uma visão, que a gente chama de uma cosmologia de educação patrimonial para que os achados, os materiais e a história, seja oral, seja material, seja devolvida para a população do Bixiga e do Brasil”, resume uma das integrantes do movimento, Luciana Araújo.
Segundo ela, a proposta também foi levada ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo.
Algumas ações já começaram a ser desenvolvidas pelos próprios militantes. “Já fizemos 30 entrevistas com pessoas mais velhas, que vivem ou viveram no bairro. Mas isso foi o que a gente conseguiu fazer. A gente já tem uma lista de quase 100 pessoas que a gente não deu conta de entrevistar. Mas tem muita gente que a gente nem encontrou ainda”, destaca a ativista.
O movimento tem promovido ainda rodas de conversa, aulas públicas e caminhadas com roteiros que passam por pontos importantes da história negra do bairro.
Luciana Araújo destaca a importância de ações de manutenção da memória aconteçam de imediato. “A gente sabe que tem gente viva que é importante correr atrás, inclusive porque são pessoas que já estão idosas”, exemplifica. “São, em geral, pessoas que guardam uma memória oral muito rica e que, em muitos casos, [a memória] só existe oralmente”, acrescenta.
A decisão de demolir a sede da escola de samba para a construção da estação de metrô que, segundo o movimento, poderia estar em outros pontos, é uma forma de apagar a história das pessoas negras na cidade de São Paulo.
“A permanência do Vai-Vai até o momento de hoje foi também uma aglutinação de toda uma resistência e permanência cultural que manteve esse elo entre gerações. Se as pessoas perdem esses vínculos, daqui 20 ou 30 anos, quem vai contar essas histórias? Por isso que a gente considera que não é por acaso, é um projeto de apagamento da memória negra do Bixiga”, diz Araújo.
Antigo morador da região e membro da diretoria da Vai-Vai, Fernando Penteado relembrou o tempo em que era possível tomar banho nas nascentes e no próprio Córrego Saracura. “Eu tomava banho naquelas nascentes às 17h. Toda a negradinha ficava ali. E sempre tinha uma mãe, com sabão de cinzas, para dar banho em todo mundo. Mas isso para provar que nós estamos há séculos no Bixiga.”
Edição: Aline Leal